segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sobre as chegadas e as saídas numa casa de axé

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É recorrente e bastante cotidiano nos chegar vários leitores diariamente dizendo que querem sair da casa na qual foram iniciados pelos mais variados e discrepantes motivos. Fora deste mundo virtual eu – e presumo que todos os religiosos – vejo com alguma recorrência isso também acontecer com uma facilidade surpreendente: iyawôs que trocam de casa, que saem pulando de uma em uma e passam os anos que deveriam aprender a serem bons egbomis passando temporárias estadias em diferentes lugares.
Por outro lado, há alguns problemas de ordem interna ou de administração de casa que acabam por fazendo o iyawô tomar essa decisão drástica e ficarem perdidos por apenas quererem uma casa pra permanecer, pra sentir bem o seu orixá longe dessa bagunça de troca-troca anual de casa tão vista por aí.
Não é à toa que a palavra iyawô signifique “noiva”. Durante a minha iniciação ouvi: “É pra sempre: a ligação com o orixá é pra vida toda”. Iniciação é um casamento, um casamento com o seu orixá que não aceita divórcio, contrato, acordo ou qualquer coisa do tipo. Está acima das pessoas, do humano e de qualquer convenção que existe. Este laço só se desfaz com a morte, a partida para o orun. Neste processo o axé é imprescindível; a navalha, de extrema importância; o zelador, fundamental.
Muito falamos aqui sobre o tempo de abiyan, sobre o tempo de aprendizado, de adaptação e nada disso aqui é falado sem nenhuma pretensão. Iniciação é um ato sério, requer responsabilidade e compromisso. Ser iniciado significa tentar ter toda a retidão possível para com o seu orixá a fim de conseguir ouvir e entender o que ele falar, o que ele apontar, pois Ori pode ser soberano, mas o nosso orixá sempre deve ser escutado e ele não se comunica melhor com ninguém do que com o seu próprio filho, afinal de contas temos sua energia em nós. Eu tenho cá com os meus botões que a gente passa todos os nossos anos de iniciado buscando essa sintonia perfeita, buscando não errar seguindo os conselhos do nosso orixá e essa busca é feita em cima de responsabilidade, respeito, compromisso, preceito, retidão e tempo.
Contudo, alguns iniciados acabam não captando isso e/ou alguns zeladores acabam também não captando a mesma mensagem. Algo entra em desalinho e nesse desalinho pode ter de um tudo: desde o respeito que possa ter deixado de existir, diferenças entre irmãos, até caminhos apontados pelo orixá. Se o quadro se mantém e o tempo não ameniza, sair é a solução?
Meus textos são delicados, pois levo a minha fé de forma delicada – embora minha personalidade não seja -, mas eu sei e partilho da ideia de que gente de Candomblé tem que ser casca grossa. Cultuar orixá é a coisa mais linda do mundo, mas, às vezes, a gente escuta o que não gosta, ver o que não quer e isso é normal, pois uma casa de Candomblé é quase a mesma coisa que o mundo lá fora adicionado (muito adicionado) com personalidades mais abertas, mais a mostra, já que a nossa religião preza isso. Numa casa de Candomblé somos ainda mais nós mesmos e ainda com uma grande presença do nosso orixá. Abri esse parágrafo somente pra escancarar que casa de Candomblé é amor ao orixá, é servir ao orixá, mas quando o assunto são as pessoas, não é um mar de rosas, é um mundo real. No mundo real ninguém diz “cansei” e sai dele. Pois é. Em casa de axé também é assim. Ou ao menos deveria.
Todo iniciado, como já disse antes, carrega muitas responsabilidades e pensar sobre uma saída é algo que requer muito cuidado, muita reflexão sobre as conseqüências, tempo e saber o que o orixá pensa, o que ele quer. Não é uma decisão a ser tomada como um espasmo, um susto, uma virada de noite, um abuso qualquer. É praticamente esperar brotar a flor e amadurecer o fruto. Ou seja, exige uma coisa que eu sei que existe, mas não sei como funciona muito bem: paciência. Só que partilho aqui como conselho, pois acho que os constantes pedidos da minha zeladora a Oxalá para que me dê paciência talvez estejam dando resultado.
Falo isso de forma aberta, pois já tomei essa atitude de sair da casa onde nasci e depois acabei voltando porque Xangô me chamou e me acolheu de volta. Todos estes acontecimentos me confundiram um pouco e me fizeram repensar se tudo que eu sempre falei aqui eu estava vivendo de fato. Volto a escrever respondendo ao meu próprio silêncio que se todo aquele vendaval passou pela minha vida religiosa e hoje eu continuo firme e vibrante na minha fé, é porque eu nunca me escondi das minhas responsabilidades e do amor pela minha religião. Tudo o que eu sempre falei sobre viver a religião continua de pé sim. E digo que hoje bem mais que antes.

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