Oxaguiã é um orixá guerreiro. Sua maior luta é pela perfeição: de si mesmo, dos outros e das coisas. Odeia a preguiça, que ele considera o inimigo número um da perfeição. Da união de Oxaguiã com Iyemanjá, nasceu Ogum, orixá guerreiro como o pai. Ogum guerreia para destruir o que precisa ser renovado, enquanto Oxaguiã luta para construir o que foi destruído. Neste vai e vem de batalhas, Oxaguiã foi um dia à cidade de Ogum para buscar munição e encontrou o povo em festa. A comemoração era pelo término da construção do novo palácio do rei Ogum. Tudo parecia perfeito. Não para Oxaguiã! Ele bateu sua poderosa espada no palácio, que ruiu imediatamente. O povo ficou irado! “Tanto trabalho jogado fora, por um capricho de Oxaguiã”.
O pai de Ogum então falou: “O rei de vocês está em guerra e não voltará tão cedo. Por que entregar este palácio para ele, quando um muito melhor pode ser construído?”. Passado um tempo, Oxaguiã retornou à cidade e encontrou o palácio reconstruído. Entretanto, tudo se repetiu: O pai de Ogum destruiu o novo palácio e ordenou que o povo construísse outro, ainda mais perfeito.
Aconteceu que o dia da volta de Ogum se aproximava, só restando para Oxaguiã contentar-se com o último palácio construído, que para todos estava mais do que perfeito. De tanto reconstruírem o palácio, os moradores daquela cidade passaram a ser conhecidos como “os construtores quase perfeitos”. O povo não gostou daquele “quase” e ousou reclamar com a divindade. Oxaguiã disse: “A perfeição é como uma donzela arisca, ela se compraz em ser buscada, mas nunca permite ser encontrada e muito menos ser cultuada”.
Esse itan (estória narrada de geração para geração) fala sobre a importância da busca pela perfeição. Outro dia ouvi o seguinte comunicado: “Não basta fazer, é preciso fazer com amor”. Eu completo esse lindo comunicado, dizendo: Não basta fazer, é preciso fazer com amor, mas fazer bem feito. E ninguém faz nada bem feito se não tiver tempo. Se a preguiça é o inimigo número um da perfeição, a falta de eficiência para lidar com o tempo é o número dois. É por isso que se diz: “Quem tem tempo faz a colher e borda o cabo”.
Quem tem tempo faz arte. E a arte é uma das importantes formas de aproximação com o sagrado. Não é preciso ser artista para se fazer arte, é preciso apenas se tentar fazer as coisas da melhor maneira possível. Tanto nas coisas mais simples, como nas mais complexas; tanto nos assuntos sociais, quanto nos assuntos religiosos.
Lavar os pratos e estar atento para não deixar na pia nem um grão de arroz, de modo que a harmonia e pureza externas ajudem a harmonizar o interior de quem penetre naquele recinto, é arte. Quem me ouve ou lê o que escrevo está acostumado a ouvir a frase “estou sempre correndo atrás da perfeição”. Acontece que quanto mais eu corro atrás da perfeição, mais parece que a perfeição corre de mim. É como um gostoso jogo de “picula”, onde não tem vencido nem vencedor. E a graça consiste exatamente nisso: tentar, incansavelmente, domar essa virgem rebelde. Sim, acredito ser realmente virgem, a perfeição.
Não conheci ninguém que conseguiu casar-se com ela, apesar de não lhe faltar pretendentes. Entretanto, todos nós gostamos de crer que existem pessoas perfeitas. Gostamos de criar ídolos. Um grande risco, tanto para quem idolatra, quanto para quem é idolatrado. Parece que precisamos de ídolos para seguirmos, como se a “perfeição” (ou o axé) do outro pudesse ser por nós absorvida.
O caminho para a perfeição não é reto, ele é cheio de saliências e reentrâncias. É um caminho individual, como individual é o encontro que cada um tem com sua própria forma de construir e reconstruir seus palácios, sejam eles de areia ou de cristal. A perfeição, como o próprio nome indica, é um movimento em direção a: alguma coisa, algum lugar, alguém… Aperfeiçoar-se é simplesmente manter-se em movimento; é buscar sempre o que lhe parece faltar a cada dia, a cada momento. E é Oxaguiã o orixá que nos auxilia a manter acesa essa chama. É Oxaguiã o orixá que estimula o progresso.
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