REFLEXÕES DA RELIGIÃO AFRO BRASILEIRA
Nota-se no Brasil um maior interesse público pela religião, por parte da classe média. Há um aumento de oferta de “bens religiosos” (Berger) advindos do aumento do neopentecostalíssimo, da Nova Era; e, de interesse pelas religiões afro-brasileiras, Candomblé e Umbanda. Estas são “consumidas” como produtos mágico-terapêuticos. Diferente da relação estabelecida com as classes baixas, médias-baixas e média-alta, onde o interesse religioso sempre foi presente. Existe, nesse caso, uma “comunidade religiosa” em torno do Terreiro. Este é uma comunidade de tipo “família alargada”, em que a “iyá” ou o “baba”, mantém vínculos não sanguíneos com seus “filhos” e agregados.
Pode-se afirmar que na produção dos estudos das religiões afro-brasileiras, poucos autores incorporam discussões de multiculturalidade e pluralismo religioso, percebendo no “sincretismo” aspectos não só positivos, mas também os negativos de assimilação.
Se, como em Jensen da Dinamarca, há um interesse político nos estudos da religião, cabe perguntar: qual seria o interesse político que domina os estudiosos brasileiros? A resposta é óbvia, visto que o cosmopolitismoimposto no Brasil desde a época colonial é um colonialismo cultural que elimina as condições de vida do “Outro” (negro/indígena); sua cultura e identidade, assimilando-o em uma “máscara” branca européia. Com essa máscara, as religiões africanas e indígenas (ou afro-indígenas) são cristianizadas.
Apontam como positivo no modo brasileiro tradicional de estudo das religiões, o esforço para “desteologizar” esses estudos e baseá-los em uma teoria antropológica.
Passando do “estudo das coisas divinas para o estudo das coisas humanas e sociais”.
No Brasil, o esforço parra se pensar uma teoria e metodologia não têm sido feito de uma boa forma. Há um considerável atraso em torno das questões dos estudos “interculturais comparativos”. Estes são vistos na Dinamarca como um “sine qua non” para que os estudos da religião tenham um caráter científico. Em vez disso no Brasil, mesmo tendo estudos “desteologizados”, ainda há diferenciações étnicas de valor em relação às diferentes religiões. Ou seja, há uma “cristianização” de termos, conceitos e pontos-de-vista, e as análises de outras tradições religiosas são feitas desde a perspectiva branco-europeia de alguma forma com aspecto negativo quanto sua prospecção dentro dos conceitos religiosos africanos.
Não há políticas ou organismos públicos que tratem das questões das diferentes religiões, como “iguais” em valor social e político. Assim, o catolicismo romano mantém historicamente com o Estado uma relação de vantagens mútuas e de legitimidade. Exemplo: nenhuma capela ou igreja católica precisa de autorização em cartório para abrir e funcionar, o que não acontece com outras denominações cristãs e muito menos com os terreiros-de-santo.
Ainda no que se refere à politização da religião, não se percebe no Brasil um interesse por parte dos estudiosos em responder às demandas públicas em torno da religião. Mesmo porque, no Brasil, as demandas políticas em torno da religião, como em outros aspectos, são claramente demandas de classes sociais muito diferentes. Questiona-se a participação dos estudiosos na “batalha do campo cultural e político” na Dinamarca; pois percebe que o interesse público pela religião é a-crítico. Da mesma forma, não se percebe no Brasil, tão pouco, uma participação política da maioria dos estudiosos. Talvez, essa atitude já reflita posições políticas conservadoras ou ideologias condizentes com o status quo.
Há, no entanto, entre a “intelectualidade social” (W. N. Barbosa), em muitos terreiros, pais e mães-de-santo que trabalham pela mobilização, conscientização e valorização do negro brasileiro, do “mestiço” e também do branco pobre. Esse aspecto político-social das religiões afro-brasileiras, quando percebida pelos estudiosos, é fator de mudanças. Cito o professor Wilson do N. Barbosa: “Despertar o interesse, para aumentar o número de pesquisadores destes temas. Tudo isso leva a uma compreensão maior da nossa cultura, pois quanto mais entendermos de todas as culturas, maiores se tornam as oportunidades de um desenvolvimento multilateral da humanidade”.
A maioria de estudiosos aponta a cultura negra não como uma cultura e sim como “mito”, pois, por mais que ocupe os espaços, estes não são apropriados juridicamente. Assim, ao longo da história do Brasil, foi negado à população negra acesso à propriedade, impedindo-a de dar materialidade a sua cultura. Pode-se discutir esse fato tendo em vista a discussão de Jensen sobre o ensino religioso nas escolas públicas.
Qual o espaço (físico e simbólico) da cultura (religião) negra nas escolas públicas, ou na sociedade brasileira em geral?
No Brasil passa-se longe de um debate em uma sala de aula sobre essa questão. Por muito tempo o ensino religioso foi ministrado por padres, freiras e leigos católicos professores da escola pública. As crianças de outras denominações cristãs passavam por constrangimentos em sala de aula. Crianças de outras religiões, provavelmente não eram diferentes se chegassem a serem identificadas. Poucas discussões na década de 90 tentaram alterar essa situação; mas, não houve mudanças significativas. As aulas continuam sendo ministradas por professores que trabalham tão somente com o cristianismo.
Pode-se incluir, ao caso brasileiro, o problema da criação dos valores culturais étnicos. A importância de discussões multiculturalistas nas escolas permanece um desafio. Também para os estudiosos da religião, permanece o desafio de desenvolver trabalhos que englobem política, religião e identidade, para a defesa de um “estudo não-teológico secular das religiões, como também uma sociedade pluralista secular”.
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